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“A comida saudável gera uma economia exorbitante em saúde”, diz Neide Rigo

Por Minha Receita

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Neide Rigo é nutricionista de formação, cozinheira por paixão e cronista do cotidiano vegetal por talento. Suas reflexões sobre moringas, mongubas e malvaviscos podem ser lidas no blog Come-se, que comanda desde 2006; no perfil do Instagram @neiderigo, onde diverte e ensina milhares de fãs com a hashtag #kitcheneide; e em seu livro Comida comum (Ubu, 2024), em que celebra o alimento como afeto, cultura e memória. 

E o que seriam moringas, mongubas e malvaviscos, você pergunta? São algumas das centenas de Pancs, as Plantas Alimentícias Não Convencionais, catalogadas no Brasil – e Rigo é especialista nelas, além de ser defensora de políticas alimentares inclusivas e entusiasta de belíssimos pães “estampados” com flores e folhas. 

Foto da chefe de cozinha Neide Rigo
Chef Neide Rigo

A seguir, ela fala sobre comida de verdade e maneiras de nos reconectarmos com ela – e como oferecer um pedaço de bolo para o vizinho pode abrir caminhos para melhorar todo o nosso entorno.

Seu livro traz o título Comida Comum. O que “comum” quer dizer para você?

Comum tem a ver com unidade e comunidade, e também nos remete ao simples e cotidiano, e é sobre isso que o livro trata. 

Você escreve que, em um momento em que se valorizam as especialidades, você é o oposto: busca justamente a diversidade. Como essa filosofia se manifesta no seu dia a dia?

No caso da comida, é importante que tenhamos noção da dimensão que o assunto engloba. No meu dia a dia, a generalidade está no meu interesse e curiosidade por todos os aspectos da comida, da produção ao preparo, do produtor ao consumidor, dos afetos e histórias.

Um dos trechos mais bonitos do livro reflete sobre ter intimidade com o seu quarteirão. Como cultivar esse senso de pertencimento nos grandes centros urbanos?​

Reconheço que não é fácil, porque as pessoas estão muito fragilizadas em uma cidade que nos oferece todo tipo de insegurança, seja no ar que respiramos, nas desigualdades sociais, no aumento da violência. Mas temos que nos esforçar para que tenhamos um pouco de alegria e segurança – e quem pode nos oferecer isso é a vizinhança. 

A proximidade, claro, tem mais a ver com a circunstância e não com a identificação pessoal, mas podemos identificar o que temos em comum e tentar melhorar essas relações como se fossemos uma grande família com interesses comuns. Podemos organizar piqueniques nas praças, por exemplo. Ou pequenas hortas em espaços ociosos. Podemos começar oferecendo um pedaço de bolo para o vizinho e ir ampliando os contatos. 

Você cresceu na periferia de São Paulo, mas carrega uma nostalgia intensa pela roça. Como esse imaginário rural molda sua forma de viver e de se alimentar hoje?

Sempre imagino minha vizinhança mais próxima como um pequeno bairro ou aldeia em que as pessoas se conhecem, se ajudam e se divertem juntas. Conheço as plantas comestíveis que estão por perto, sei onde posso colher folhas de bananeira, tenho em mente a vizinha para quem posso pedir um galhinho de manjericão ou aquela que tem umas folhas de guaco. Acho que esse comportamento é herança da roça que mora em mim.   

⁠Que prato te remete à infância e te faz sentir em casa?

Arroz, feijão e mistura. 

No livro aparecem personagens como Dona Marina e seu urucum e Seu João do mangarito. Que papel essas pessoas têm na sua formação e no resgate de saberes esquecidos?

Eu gosto de livros, gosto de ler e aprender, mas sempre fui muito inquieta e, desde pequena, o aprendizado a que mais me apego é aquele que vem das pessoas. São elas que me fazem sentir o tal do pertencimento a um grupo que tem conhecimentos e histórias de afeto.

Há um cuidado evidente em nomear plantas, lugares, vizinhos. Existe uma urgência em preservar esses nomes e saberes?

Especialmente em um momento da história em que o conteúdo está perdendo a autoria, acho de fundamental importância que a gente dê nomes às pessoas, ao que elas nos apresentam e ao que elas fazem. Isso é o que nos molda como indivíduos diversos dentro de um grupo comum. 

Você escreve que “comida saudável é aquela que respeita nossa cultura sem desprezar novos aprendizados”. Como resistir à hegemonia dos ultraprocessados e dos fast foods?

No Brasil, ainda temos sorte de comer comida caseira, seja em casa, nos restaurantes de quilo ou nas cozinhas comunitárias. Então, é só manter esse modelo a partir de políticas públicas que criem incentivos à produção de vegetais e fomente a criação de cozinhas comunitárias e restaurantes populares. Que melhorem o acesso à comida in natura com a consciência de que a comida saudável gera uma economia exorbitante na saúde a longo prazo. 

Que papel as redes sociais desempenham na sua forma de ensinar e se conectar com outras pessoas?

Se comparado com outros grandes perfis, com milhares de seguidores, o meu é bem discreto até, mas tenho seguidores fieis que me acompanham desde os tempos de maior empenho no meu blog Come-se. Aprendo muito com eles. São seguidores com quem consigo interagir minimamente. Uso o perfil como uma forma de guardar pra mim mesma as coisas que faço e penso, e aproveito para compartilhar um jeito de viver que parece meio ultrapassado – mas não tenho interesse de que seja de outra forma. 

E por isso não faço nada pensando em ganhar seguidores nem gerar engajamento (embora eu saiba que poderia fazer isso e sei que poderia fazer publicidade se quisesse). Gosto de manter o perfil dessa forma, com conteúdo espontâneo, porque também tenho sentido falta de verdades nas redes e na vida. E fico feliz quando tenho retorno positivo das pessoas que me acompanham. Isso, pra mim, é o melhor engajamento. 

O que mudou — para melhor ou pior — na relação do brasileiro com a comida nos últimos anos?

Acho que quase toda mudança para pior tem a ver com o assédio da indústria alimentícia. Para melhor, temos a valorização do alimento agroecológico e a busca do conhecimento da origem do alimento, ainda que seja por uma porção pequena da população. Alguns anos atrás esse interesse era quase nulo. 

Você ainda coleciona sementes e rizomas nas viagens? Qual foi o último tesouro botânico que trouxe para casa?

Não é exatamente uma coleção, porque não acumulo essas preciosidades, mas sempre trago alguma espécie de viagens. Os últimos tesouros recebi nesse último fim de semana, quando uma pessoa, que participou da oficina de pão que dei no Sesc Taubaté, me levou um cará moela e um maracujá roxo. Não eram novidades para mim, mas ambos são tão especiais quanto algo inédito e serão plantados. 

Que conselho você daria para quem quer começar a se reconectar com a comida de verdade, mas se sente perdido em meio à rotina, à pressa, à cidade? 

Vá à feira no fim de semana. De preferência feira de produtor. Comece sendo voluntário em uma horta comunitária. Ou, ainda, comece a cultivar em vasos os temperos que costuma usar. Essas pequenas ações podem representar um começo. 

Como você define a culinária brasileira – e como enxerga seu futuro?

A culinária brasileira é de uma riqueza incrível, com variações regionais que nos motivam a viajar para conhecê-las. Mas ela ainda sofre com nossa síndrome de vira-lata. Não fosse assim, veríamos com mais frequência a mandioca na sala de jantar e não só na cozinha para os de casa. Sorte que há muita gente comum, muitos movimentos e muitos chefs renomados trazendo à tona esse debate, praticando a comida brasileira e valorizando nossos ingredientes e técnicas.

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