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O que comem os Papas – e o que isso diz sobre fé, tradição e poder?

Por Minha Receita

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Enquanto o mundo espera pela fumaça branca que anunciará o próximo Papa, cresce a expectativa sobre como o pontífice governará e que imagem desejará transmitir. Em meio a tantos sinais oficiais e discursos solenes, um detalhe aparentemente trivial também revela muito: o que ele come.

Ao longo dos séculos, as escolhas à mesa revelaram não apenas gostos e personalidades, mas também posicionamentos, visões de mundo e interpretações sobre o papel da Igreja. Do esplendor dos banquetes renascentistas à frugalidade deliberada de Francisco, o cardápio papal sempre traduziu o espírito de cada representante e sua época.

Historicamente, a dieta papal sempre oscilou entre a opulência e o jejum. Nos tempos do Renascimento, banquetes dignos de reis eram comuns nos palácios apostólicos, com vinhos raros, faisões recheados e mesas fartas em ouro e prata. Era o tempo em que o luxo eclesiástico andava de mãos dadas com o poder absoluto. Já no século XX, a sobriedade foi ganhando espaço — e a relação dos papas com a comida passou a se tornar menos espetáculo e mais mensagem.

Papa Francisco em visita à Armênia. Crédito: Shutterstock

Francisco, o primeiro Papa latino-americano, foi um emblema dessa virada. Ao abrir mão da residência oficial e escolher viver na Casa Santa Marta, no Vaticano, também transformou seus hábitos à mesa em um gesto de ruptura. Suas refeições eram simples: sopa de legumes, peixe grelhado, frutas frescas e café sem açúcar são alguns exemplos. Além disso, comia frequentemente acompanhado dos funcionários. 

Mais do que preferência pessoal, esses hábitos eram uma extensão de seu projeto de Igreja: menos voltada para as pompas do passado, mais próxima dos pobres e dos marginalizados. Sua frugalidade franciscana dizia tanto quanto seus discursos.

Em 2018, o italiano Roberto Alborghetti lançou o livro À mesa com Papa Francisco – A comida na vida de Jorge Mario Bergoglio, em que perpassa a trajetória do sacerdote e oferece quarenta receitas inspiradas nela, do frango grelhado de sua avó ao mate de todos os dias. O autor conta que certa vez, Francisco disse às cozinheiras da Casa Santa Marta: “Por favor, não joguem fora a água do cozimento da chicória. Eu a tomo com gosto. É boa e faz bem”.

Antes de Francisco, Bento XVI também cultivava hábitos alimentares discretos, mas sem abrir mão de referências à sua origem bávara, com pratos tradicionais como pretzels, schnitzels e bolos de ameixa. João Paulo II, marcado pela memória afetiva da Polônia comunista, também levava à mesa símbolos de sua história: pierogis, sopas espessas e sobremesas simples. A kremówka, doce tradicional com creme e massa folhada, passou até a se chamar Kremówka Papieska, o “doce de creme do Papa”, em sua cidade natal. Essas escolhas simbolizavam formas de conexão cultural e afetiva com seus povos de origem.

Mesmo nos períodos de maior esplendor, o que se servia à mesa do Papa era carregado de estratégia. A ostentação dos papas renascentistas, como Leão X e Alexandre VI, não era mero capricho, mas um instrumento de afirmação de poder político e espiritual. Banquetes suntuosos — com carnes exóticas, vinhos raros e doces em formato de símbolos cristãos — traduziam a ambição de uma Igreja que disputava território e influência com as monarquias europeias.

Ainda hoje, a mesa papal é cuidadosamente pensada. Durante audiências diplomáticas, por exemplo, ingredientes e cardápios são escolhidos para evitar conflitos culturais e transmitir delicadas mensagens de respeito e aproximação. Pequenos gestos — a inclusão de um vinho local, a adaptação de um prato típico — podem carregar um peso diplomático silencioso, mas potente.

No filme Conclave (2024), estrelado por Ralph Fiennes, o foco está nas tensões políticas e espirituais que precedem a escolha de um novo Papa, mas as refeições compartilhadas pelos cardeais são utilizadas para ilustrar aspectos da convivência, hierarquia e tensão entre os personagens.​ 

Uma das cenas mostra as irmãs preparando as refeições para os cardeais, destacando a importância da comida como elemento de união e expressão cultural dentro do ambiente do conclave. Através da comida, o filme retrata a rotina e as tradições do Vaticano, oferecendo ao espectador uma visão mais íntima dos bastidores da Igreja Católica durante um dos eventos mais secretos e antigos do mundo.

Agora, com a morte do Papa Francisco e a expectativa de um novo pontificado, não são apenas as palavras e decisões do novo pontífice que estarão sob escrutínio. Cada detalhe, do púlpito à mesa, ajudará a contar sua história.

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