Por Minha Receita
Eles nasceram em quintais amazônicos, nas mãos de comunidades do cerrado, no calor das panelas de mães de santo e em festas de interior. Hoje, fazem parte de menus estrelados em Londres, Amsterdã, Singapura e Nova York.
Ingredientes essencialmente brasileiros, como tucupi, tapioca, baru e dendê, estão ultrapassando fronteiras e encantando paladares globais. Mais do que moda exótica, eles representam uma virada de chave: o mundo finalmente começa a provar o Brasil com profundidade. E, mais do que curiosidade tropical, nossa gastronomia hoje começa a ser vista com o prestígio e a reverência que merece.
Tucupi: o ácido ancestral

Extraído da mandioca brava e fermentado por dias, o tucupi é um líquido amarelo vibrante, de acidez pungente e profundidade aromática, usado há séculos pelos povos amazônicos. Tradicional em pratos como tacacá e pato no tucupi, carrega um DNA indígena e uma força sensorial marcante.
Único chef brasileiro com duas estrelas Michelin fora do país, Rafael Cagali usa o caldo amazônico no seu restaurante Da Terra, em Londres, no Reino Unido, em uma preparação com abobrinha e truta-do-Ártico. Já em Lima, a chef peruana Gabriela León, do bar Lady Bee, incorporou o tucupi negro a uma preparação com lagosta, usando a base aromática para realçar o sabor do crustáceo. No ano passado, León foi eleita uma das 50 mulheres mais poderosas do Peru pela Forbes e seu bar foi incluído no célebre ranking 50 Best Bars.
Tapioca: raiz com requinte

Feita a partir da fécula da mandioca hidratada e peneirada, a tapioca atravessou gerações como um alimento popular, acessível e versátil. Do café da manhã nordestino às versões gourmet, é presença constante na cultura alimentar brasileira. Agora, está também na alta gastronomia estrangeira: o chef brasileiro Ivan Brehm levou o ingrediente ao seu celebrado restaurante Nouri, em Singapura, dono de uma estrela Michelin. Lá, a tapioca aparece em um prato de camadas complexas e criativas que une a picância do molho asiático sambal, a suavidade da emulsão de coco e a intensidade do camarão carabinero.
Baru: o ouro do cerrado

Com sabor entre o amendoim e o cacau, a castanha de baru é típica do cerrado brasileiro e rica em nutrientes. Seu cultivo está ligado ao extrativismo sustentável e à preservação de biomas ameaçados. Versátil, vai bem tanto em preparações doces quanto salgadas — e hoje é símbolo de um Brasil que exporta saúde e biodiversidade. Nos Estados Unidos, a marca Barùkas transformou o baru em superfood. Comercializada em snacks e farinhas, a castanha chegou ao varejo premium com forte apelo ambiental, sendo elogiada por nutricionistas e chefs preocupados com práticas regenerativas.
Dendê: herança da diáspora

Com aroma inconfundível e cor intensa, o azeite de dendê é feito do fruto da palmeira e é um dos ingredientes mais marcantes da cozinha de matriz africana no Brasil. Essencial em pratos como moqueca, caruru e acarajé, o dendê é sinônimo de identidade, memória e resistência.
Renata Szeles é uma das chefs que têm reposicionado o dendê na cena gastronômica internacional, levando o ingrediente até seu restaurante Elo Food Based, em Amsterdã, na Holanda, onde é harmonizado com camarões laqueados, quiabo assado e gengibre fermentado – uma ponte entre América do Sul, África e Europa.
Para além do sabor, esses ingredientes carregam contexto. Ao atravessar fronteiras e conquistar espaço em cozinhas internacionais de prestígio, tucupi, tapioca, baru e dendê não se descolam de suas origens — pelo contrário, reafirmam a complexidade do Brasil que os produz. São elementos de um repertório culinário que começa, enfim, a ser lido com a atenção que merece.